terça-feira, 10 de agosto de 2010

A origem - "The inception"

Semana passada, assisti ao filme A origem (Inception) nos cinemas. Não gostei e ainda fiquei com "raiva de quem gostou". Depois de conversar com uma pessoa e dizer-lhe o que achava, porém, eu fiquei pensando sobre a estória e no porquê da minha reação (repulsiva) a ela. "Por que mexeu comigo assim?". Primeiro porque eu havia criado uma expectativa boa, pelo tema de sonhos - que eu particularmente gosto - para no final, entretanto, essa mesma expectativa ir por água abaixo: O filme, além de cru, é cruel. Poderia ter demorado mais para ser feito, e a "moral da história" inexiste. Segundo porque, ainda assim, me fez pensar.

Já vi vários filmes de bandidos antes, em que bandidos eram protagonistas e bandidos eram "heróis", mas nunca me dei conta, outrora, de como podemos ser influenciáveis, em vários sentidos. O tema do filme é esse, por sinal. Inserção - no caso, de idéias. A diferença é que essa inserção, aqui, se dá pelo meio de sonhos. O que antes era espionagem industrial dá lugar ao implante de conceitos por intermédio de sonhos e sedativos.

DiCaprio é Dorn Cobb, um 'Extrator', um moderno ladrão de devaneios. O filme carrega uma sensação de nado sincrozinado, onde cada um executa sua parte como coreografado, mas aqui há um senso de irrealidade que faz impossível relacioná-lo (o nado) a qualquer um dos personagens. Há um bocado de perseguição de carros, grandes explosões, e fantásticos cenários e paisagens urbanas; seria mais preciso definí-las como paisagens oníricas, desde que não são encontradas no mundo real.

[...] A natureza clínica das ações desse Ewen Cameron dos dias modernos faz do simpático retrato de Cobb uma decepção, porque na vida real ele teria sido um frio clínico, impiedoso e cruel como Mengele, não um ladrão compassivo como o personagem de Humphrey Bogart, Rick Blaine, em Casablanca. (Inception Review) (ver sinopse)


Porém qual a diferença entre um sonho e realidade se, em ambas enganações, eu não tenho consciência do que está acontecendo? Estou sendo iludido e não sei que é um "sonho", de fato. Não faz "muita" diferença entre ser enganado em um sonho e na vida "real". Pensando nesse aspecto, pode-se criar um reflexo entre a realidade do "espectador" e a ficção do filme. Se eu assisto a um filme e vibro com ele, eu estou, de certa forma, vivendo-o e realizando-o. Se eu assisto a um filme de bandido e eu torço para que o bandido vença, eu vivencio a mente... de bandido. Mais assustador, ainda, é saber (ou se dar conta de) que essa mente de bandido não saiu da cartola. Saiu da cabeça. E a cabeça saiu de onde?

A psicologia já foi trabalhada em outros filmes do diretor, como Dark Knight e Batman Begins. São as cordas simpáticas que encontram ressonância nos recônditos mais profundos de nossa mente¹. O filme pode ser analisado por horas, sob(re) diversos prismas e portas - inclusive a respeito de suas falhas e clichês. Pela questão ética (talvez o principal prisma dessa crítica), o que dizer? A corrupção é sua espinha - dorsal. Mas a corrupção, no entanto, é um nome para a falta de alguma coisa, ou melhor, a deturpação de algo que existia antes. Pensando em relatividade, além da corrupção para o mal seria possível também corromper para o bem, por que não? Isso depende do ponto de vista e, de fato, faz cada vez mais sentido em um mundo com tantas notícias e desilusão. Mas o bem, ainda assim, é um rótulo, para designar a falta de mal nas coisas. No fundo, Bem e mal não existem. Ou melhor, só existem um em relação ao outro. Agora, por exemplo, ao ler esse texto, você está pensando se está sendo "bom" ou "mau"? Ler, em si mesmo, não configura um mal - ou bem. Ler não configura nada, assim como o nada configura tudo - ou, pelo menos, algo. Eu já tentei imaginar um paraíso, perfeito, mas nele não há pessoas, porque a conta não fecha. - o que faz-me crer que a Terra assemelha-se muito a um inferno ou, então, a um sonho de um sábio chinês, meio esquecido... O sonho do sonho do sonho do sonho, de várias pessoas entrelaçados.

Talvez o paraíso seja um processo. Parte de um ciclo. Uma re-conciliação. Um res-gate. Um eterno "entrar no portal" novamente. Quando se está bem, não se pensa que está bem. Quando se está no paraíso, nem conhecemos essa palavra.

É, viajei. Mas voltando à Origem: O filme, ao focar na vida do protagonista, "travestindo"-o de herói e estrela, tenta fazer o espectador esquecer-se da origem de toda a trama, assim como acontece à própria vítima da estória, que é ludibriada ao esquecer-se de que tudo aquilo é um sonho, não a realidade. O protagonista do filme é um ladrão, um invasor de mentes e segredos, que participa, juntamente com os outros personagens, de um grande plano de enganar uma pessoa. Será que com toda a ação e complexidade da trama é possível esquecer-se desse "detalhe"? Por alguns segundos ou minutos sim, porque a ação é sedutora. Os detalhes surpreendentes. Don Juan Matus, personagem dos livros de Carlos Castaneda, já alertava seu(s) discípulo(s) a não se perder nos detalhes dos sonhos, porque eles nos enganam. "A origem" bebe da mesma fonte quando apresenta cidades inteiras, construídas por um arquiteto e entregues a um sonhador².

Concluindo, antes que eu me esqueça: Se eu me enojei com o filme, enojei-me a mim mesmo. Não há como um filme ser absolutamente ruim ou bom. Depende de quem vê. Eu confrontei a face do mal. Mas o mal não está fora, está dentro.


Dois links interessantes:

¹ O cérebro reptiliano
² A arte do sonhar

Um comentário:

  1. Acredito que o Nolan desistiu de pensar o cinema, apenas nos oferece suas visões de um mundo comandado por ele nos mínimos detalhes com a exatidão de quem faz um documentário ou de quem manda um batalhão se apresentar. A nítida demonstração de "realidade" do filme se delonga por horas a fio simplesmente para fazer o espectador comprar a idéia de que roubar um sonho é tão plausível qto fzer o mesmo com um carro. Procedimento esse que desde Batman vem assolando o diretor, oras, não estamos falando de cinema? Então aonde está a mágia, ou fica a diversão da verossimilhança? Se vai ao cinema porque se crê e não o contrario. A meu ver essa prática irritante de se fazer valer da ciência para tentar comprar uma coisa que não existe e nunca vai existir é só uma fraqueza a mais da narrativa e da precária verve existente no longa.Triste, pois sem mágia, não existem sonhos...

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