Enviado por Míriam Leitão, Alvaro Gribel e Valéria Maniero
Coluna no Globo
No meio do deserto, ao norte do México, numa cidade onde 70% das ruas são de terra batida, seis mil pessoas já morreram assassinadas desde que começou o governo Felipe Calderón e há dez mil órfãos. Esse é o pior lado do México: Ciudad Juárez. Quem atravessa uma das três pontes chega à segunda cidade mais segura dos Estados Unidos: El Paso, Texas.
Judith Torrea é uma jornalista free lancer, nascida em Pamplona, na Espanha, mas que diz ter seu coração nesta cidade mexicana, no meio do nada. A cidade cresceu nos anos 1960 com a ida para lá das maquilladoras de automóveis. Para espanto da plateia do congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), no último fim de semana, descreveu o cotidiano intratável do lugar que ela define como o mais violento do mundo. Ontem, conversamos longamente:
— Em Ciudad Juárez o perigo é estar vivo. Só este ano já morreram assassinadas tantas pessoas quanto em todo 2008. É uma cidade pequena de 1,3 milhão de habitantes. Os dados oficiais mostram que 116 mil casas foram abandonadas e 10 mil negócios foram fechados.
Esse ambiente de fim de mundo estourou após o início da guerra decretada pelo presidente Calderón contra o tráfico de drogas. Mas o combate se concentra contra apenas um dos cinco cartéis do narcotráfico do país: o cartel Juárez. Outros têm se fortalecido, principalmente o de Sinaloa, controlado por Chapo Guzmán. No primeiro ano do governo de Vicente Fox, do mesmo PAN de Calderón, Guzmán conseguiu escapar de um presídio de segurança máxima escondido num carrinho de lavanderia.
Judith suspeita de tudo. Acha que Calderón iniciou a guerra acreditando que assim legitimaria seu poder, após eleições controversas e que dividiram o México entre ele e o candidato López Obrador, do PRD. Acha estranho que outros cartéis sejam poupados e suspeita do Exército.
— Nós ficamos sabendo dos crimes pelo mesmo sistema de comunicação que as Forças Federais usam. Apesar de sabermos dos crimes no mesmo momento que as Forças Federais, chegamos às vezes até uma hora antes ao local. Eles chegam, não ouvem as testemunhas e declaram que todos são traficantes, mesmo quando são pobres coitados que não têm nem dinheiro para o funeral.
Na semana passada, entrevistei o cientista político mexicano Jorge Castañeda, na Globonews. Ele também falou da guerra travada em Ciudad Juárez:
— Creio que foi um erro do presidente Felipe Calderón ter declarado essa guerra em 2006, sem ter capacidade policial, militar, econômica e de inteligência para ganhar essa guerra. Nunca houve uma definição da vitória. Quando se vai à guerra é preciso saber em que consiste o triunfo. O México não tem uma definição de vitória, não tem estratégia de saída e não tem força suficiente. Foi um erro.
Castañeda disse que o principal país consumidor da droga vendida pelos cartéis da Colômbia e pelos cartéis do México são os Estados Unidos e que 14 estados americanos já liberalizaram o uso terapêutico da maconha. Ele defende a liberalização como forma de destruir o negócio do tráfico de drogas:
— O México e a América Latina devem legalizar a maconha e ver o que acontece. Não podemos mantê-la na ilegalidade, quando ela está sendo legalizada nos Estados Unidos. Na Califórnia, o estado mais rico, vai haver um referendo em novembro e é muito provável que ganhe o sim.
Judith acha que se for liberalizada a maconha, os cartéis vão apenas trocar de mercadoria.
— O narcotráfico é um grande negócio para as autoridades e o poder econômico. Ele corrompe e faz fortunas. Por que não se combate a lavagem de dinheiro? E a corrupção? Está tudo ligado. Eu só acredito em políticas globais contra o narcotráfico — disse.
A jornalista usa uma imagem forte para mostrar a maior contradição:
— Do lado de cá da fronteira morrem tantos. Mas essa droga, pela qual se mata, atravessa as pontes tranquilamente, chega aos Estados Unidos e se transforma num fantasma viajante, porque ninguém a intercepta até chegar nos mercados e poder ser consumida em paz em Nova York e em outras cidades americanas.
Durante algum tempo, Judith trabalhou numa revista de celebridades em Nova York:
— Lá, vi festas em que se consumia cocaína livremente. E onde tantos viam prazer, eu, que nunca consumi droga, via apenas o sangue e os mortos dessa guerra.
O problema de Ciudad Juárez ameaça se espalhar. Hoje é uma terra sem lei, onde os jornalistas se autocensuram para continuar vivendo. O medo de que a violência se espalhe é tanto que hoje mesmo quem detesta o PRI, partido que governou o país por 70 anos, já quer que ele volte nas próximas eleições, o que será, segundo Judith, outra tragédia.
Na visão da jornalista espanhola, o que o México vive ameaça sua própria democracia:
— Hoje, o México é o país onde mais morrem jornalistas, que democracia é esta?
Judith diz que fala porque não quer que desapareça a cidade que ama. Ontem, ela entrou no Facebook e encontrou uma mensagem de uma menina de 21 anos que estava apagando seus amigos mortos da rede de relacionamentos. Já são 15 os seus mortos.
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Para assistir: Breaking Bad
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"[...] sussuro sem som, onde a gente se lembra do que nunca soube," G.R.
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Guerra do México
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