domingo, 3 de julho de 2011

O Mito de Sísifo e nós

O Mito de Si.sifu

O Mito de Sísifo conta a estória de um homem que fora (no pretérito imperfeito) condenado pelos deuses a rolar um grande rochedo até o topo de uma montanha até que este caísse novamente por seu próprio peso completando assim um eterno ciclo de queda e ascensão de forma a cumprir seu "terrível" destino - rolar um grande rochedo até o topo de uma montanha até que este caísse novamente por seu próprio peso completando assim um eterno ciclo de queda e ascensão... apenas por ter desafiado os deuses. Albert Camus escreveu um ensaio sobre o conto, o qual filosofou sobre a condição absurda do homem no mundo após a 2ª guerra mundial, no estranho e apocalíptico cenário europeu de 1942.

"Vou-lhe dizer um grande segredo, meu caro. Não espere o juízo final. Ele realiza-se todos os dias".

Uma das peripécias de Sísifo foi tentar enganar a Morte, e conseguiu - por duas vezes. Porém sua punição a um momento chegou. Em um certo sentido, como nos inpira Clarice Lispector em seu conto "Medo da Eternidade", não há como burlarmos a morte (que no sentido metafórico aqui pode significar o desfecho das coisas, a virada dos ciclos) a não ser que burlemos a si mesmos - como foi o caso de Sísifo ao receber sua sina. Clarice jogou seu chiclé porque sabia (ou soube) que esse era seu fim e, se continuasse a mastigá-lo, só estaria a enganar-se, ou então, a pregar uma peça sobre si.

A sina de Sísifo, no entanto, na visão do texto de Camus, não é de todo trágica, mas apenas uma consequência e um reflexo do mundo em que nascemos, segundo o escritor. Com um teor bastante poético, reflete sobre a condição proletária da época e a ausência da fé nos deuses antigos por parte do "homem revoltado".

"É durante esse retorno, essa pausa, que Sísifo me interessa. Um rosto que pena, assim tão perto das pedras, é já ele próprio pedra! Vejo esse homem redescer, com o passo pesado, mas igual, para o tormento cujo fim não conhecerá. Essa hora que é como uma respiração e que ressurge tão certamente quanto sua infelicidade, essa hora é aquela da consciência. A cada um desses momentos, em que ele deixa os cimos e se afunda pouco a pouco no covil dos deuses, ele é superior ao seu destino. É mais forte que seu rochedo.


Se esse mito é trágico, é que seu herói é consciente. Onde estaria, de fato, a sua pena, se a cada passo 0 sustentasse a esperança de ser bem-sucedido? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas e esse destino não é menos absurdo. Mas ele só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua condição miserável: é nela que ele pensa enquanto desce. A lucidez que devia produzir o seu tormento consome, com a mesma força, sua vitória. Não existe destino que não se supere pelo desprezo."

Isso me faz lembrar do conceito taoísta de "agir sem agir", que, de certa forma, pode ser confundido com desprezo por parte de quem age. Outro conceito interessante de que me lembrei foi também a "loucura controlada", de Carlos Castaneda, importante escritor que reuniu diversos conhecimentos xamânicos antigos:

"— Pensa demais em si —- disse ele, sorrindo. — E isso lhe dá um cansaço estranho, que o leva a fechar o mundo em volta de si e se agarrar a seus argumentos. Por isso, só tem problemas. Também sou apenas um homem, mas não digo isso do mesmo jeito que você.
— Como é que o diz?
— Venci meus problemas. É uma pena que minha vida seja tão curta que eu não me possa agarrar a todas as coisas de que gostaria. Mas isso não é um problema; é só uma pena.


Gostei do tom de sua declaração. Não havia nela desespero nem
autocomiseração."


"A sensação de importância faz a pessoa sentir-se pesada, desajeitada e
vaidosa. Para ser um homem de conhecimento, ela tem de ser leve e fluida."


"O meio mais eficaz de se viver é como guerreiro: preocupar-se e pensar antes de tomar qualquer decisão, porém, uma vez tomada, seguir seu caminho, livre de preocupações e pensamentos."


"Para sermos guerreiros, devemos estar, antes de tudo, conscientes de nossa morte. Também é necessário o desprendimento. Assim, a idéia da morte iminente, em vez de se tornar uma obsessão torna-se uma indiferença."


"O guerreiro, que é desprendido, e sabe que não pode evitar sua morte, só se apóia no poder de suas decisões; é o senhor de suas opções e compreende que elas são sua responsabilidade, não tendo tempo para remorsos ou recriminações."


"Com a consciência de sua morte, com seu desprendimento e com o poder de suas decisões, um guerreiro organiza sua vida de maneira estratégica. Assim ele executa tudo o que precisa com vontade e eficiência e adquire paciência, que é condição para o caminho da vontade."


"Um guerreiro evita conversas internas. Ele escuta o mundo; os sons do mundo." [...] "Temos que usar os ouvidos para aliviar a carga dos olhos."


"É preciso insistir muito, mesmo sabendo que o que se está fazendo é inútil. Mas primeiro temos que saber que nossos atos são inúteis, e, no entanto, temos que proceder como se não soubéssemos. É esta a loucura controlada de um feiticeiro."



"Um guerreiro escolhe um caminho com coração, qualquer caminho com coração, e o segue; e então ele se regozija e ri. Ele sabe por que vê que sua vida estará terminada muito depressa. Ele vê que nada é mais importante do que qualquer outra coisa."


"As coisas que as pessoas fazem não podem ser de jeito algum mais importantes do que o mundo. E assim um guerreiro trata o mundo como um mistério sem fim e o que as pessoas fazem como uma loucura sem fim."


"Como nada é mais importante do qualquer outra coisa, um guerreiro escolhe qualquer ato e age como se lhe importasse. Sua Loucura Controlada o faz dizer que o que ele faz importa e o faz agir como se importasse, e contudo ele sabe que não é assim; de modo que, quando completa seus atos, ele se retira em paz e quer seus atos tenham sido bons ou maus, dado certo ou não, isso absolutamente não o preocupa mais."

A esse momento, Camus poderia continuar de onde parou, dialogando com Castaneda:

"[...] Se a descida, assim, em certos dias se faz para a dor, ela também pode se fazer para a alegria. Esta palavra não está demais. Imagino ainda Sísifo indo outra vez para seu rochedo, e a dor estava no começo. Quando as imagens da terra se mantêm muito intensas na lembrança, quando o apelo da felicidade se faz demasiadamente pesado, acontece que a tristeza se impõe ao coração humano: é a vitória do rochedo, é o próprio rochedo. O enorme desgosto é pesado demais para carregar. São nossas noites de Getsêmani. Mas as verdades esmagadoras perecem ao serem reconhecidas. Assim, Édipo de início obedece ao destino sem o saber. A partir do momento em que ele sabe, sua tragédia principia. Mas no mesmo instante, cego e desesperado, reconhece que o único laço que o prende ao mundo é ó frescor da mão de uma garota. Uma fala descomedida ressoa então: "Apesar de tantas experiências, minha idade avançada e a grandeza da minha alma me fazem achar é que tudo está bem”. O Édipo de Sófocles, como o Kirílov de Dostoiévski, dá assim a fórmula da vitória absurda. A sabedoria antiga torna a se encontrar com o heroísmo moderno.


Não se descobre o absurdo sem ser tentado a escrever algum manual de felicidade. "Mas como, com umas trilhas tão estreitas?" No entanto, só existe um mundo. A felicidade e o absurdo são dois filhos da mesma terra. São inseparáveis. O erro seria dizer que a felicidade nasce forçosamente da descoberta absurda. Ocorre do mesmo modo o sentimento do absurdo nascer da felicidade. "Acho que tudo está bem", diz Édipo, e essa fala é sagrada. Ela ressoa no universo feroz e limitado do homem. Ensina que tudo não é e não foi esgotado. Expulsa deste mundo um deus que nele havia entrado com a insatisfação e o gosto pelas dores inúteis. Faz do destino um assunto do homem e que deve ser acertado entre os homens.


Toda a alegria silenciosa de Sísifo está aí. Seu destino lhe pertence. Seu rochedo é sua questão. Da mesma forma o homem absurdo, quando contempla o seu tormento, faz calar todos os ídolos. No universo subitamente restituído ao seu silêncio, elevam-se as mil pequenas vozes maravilhadas da terra. Apelos inconscientes e secretos, convites de todos os rostos, são o reverso necessário e o preço da vitória. Não existe sol sem sombra, e é preciso conhecer a noite. O homem absurdo diz sim e seu esforço não acaba mais. Se há um destino pessoal, não há nenhuma destinação superior ou, pelo menos, só existe uma, que ele julga fatal e desprezível. No mais, ele se tem como senhor de seus dias. Nesse instante sutil em que o homem se volta sobre sua vida, Sísifo, vindo de novo para seu rochedo, contempla essa seqüência de atos sem nexo que se torna seu destino, criado por ele, unificado sob o olhar de sua memória e em breve selado por sua morte. Assim, convencido da origem toda humana de tudo o que é humano, cego que quer ver e que sabe que a noite não tem fim, ele está sempre caminhando. O rochedo continua a rolar."

E continua...

Nesse caminho de pedras, a "única" via que temos, de fato, é aproveitarmos o tempo e os momentos aos quais fomos agraciados, sendo felizes com o agora, unindo o passado, o futuro e o presente. Mais um clichê que descolorirá.

"Tristeza não tem fim, felicidade sim." (Vinicius de Moraes)

Links:

O Mito de Sísifo
O Mito de Sísifo e os dias atuais
O Tigre e o Morango
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